28.7.06

O retorno - 2

Desde nosso nascimento, estamos cercados por possibilidades de escolhas e tomadas cruciais de decisão. O que não significa, exatamente, que somos seres agraciados com um variado leque de probabilidades para nossa vida. Ninguém nos perguntou se gostaríamos de ter nascido. Ou de não ter nascido. Simplesmente aconteceu. Papai e mamãe conheceram-se, gostaram-se, cortejaram-se e fabricaram-nos. E cá estamos nós, cuspidos ("cuspidos" é uma boa palavra), atirados, obrigados a este mundo. Mas também não temos exatamente plena vontade caso decidamos morrer. Nossa outra mãe, a natureza, imbutiu-nos um programa delicado e extremamente eficaz de perpetuação da espécie. Precisamos continuar vivos, é o que importa. O suicídios, decisão de alguns, só nos é possível caso o programa natural falhe, o que não ocorre em 100% dos casos, visto não tratar-se do Windows. Quando isto não acontece, continuamos obrigados a permanecer por aqui. E as rédeas de nossas vidas permanecem assim. Não escolhemos o idioma em que aprendemos a conversar, não escolhemos as primeiras palavras pronunciadas, não escolhemos os parentes que temos, não escolhemos sequer a marca mais confortável de fralda ou a mais prática mamadeira. Tudo nos é empurrado. Ou engolimos ou sofremos sanções, das palmadas aos castigos não-físicos. Atravessando a jovialidade da infância, o panorama não se altera. Não escolhemos o colégio em que damos os primeiros passos nas letras, não escolhemos nossos professores, não escolhemos os amigos (somente o são aqueles a quem nossa presença agrada). Ninguém quer saber se Mac Donalds é mais gostoso que espinafre, simplesmente nos enfiam goela abaixo aquela "comida de coelho"! Ah, a adolescência... Alguém perguntou a vocês se gostariam de ter espinhas no rosto? Ou deram a vocês a opção de namorar aquela gatinha ou aquele gatinho tão cobiçados? Ninguém quer saber se os shows, boates e festas são melhores que física, química e matemática; simplesmente obrigam-nos a enfrentar provas e mais provas para testar nosso apreço pelas matérias.
Começamos a trabalhar, quanta liberdade, não é mesmo? Ilusão: não escolhemos o emprego dos nossos sonhos (o que aqueles caras entendem de futebol? Eu, jogar mal!!??) nem o salário que ganhamos. Entramos no jogo do Sistema, e ele passa a controlar nossas vidas como nunca (pensando bem, algum dia estivemos fora do Sistema?). Ninguém perguntou-nos se gostamos de ser jovens. Se houvessem perguntado, não nos imporiam barriga nem cravariam suas garras em nossas faces tão suaves, agora enrugadas. Alguém quis saber de seus sonhos? Se você foi capaz de realiza-los ou não?
Não temos escolhas na vida. Todas as portas de nosso caminho rumo ao final do filme são impostas. Não podemos nem ficar parados! Somos empurrados sempre pela cruel barreira do tempo. Pensando bem, há, sim, algo a se escolher. Esse "algo" é o que fazer com o que nos é dado (ou empurrado, tanto faz). Na verdade, somente temos autonomia sobre nossos pensamentos e sobre nossa maneira de encarar os fatos da vida. Faço minha parte escrevendo este texto ridículo, cujo final poucos se dispuseram a alcançar. Tudo bem. Quem não o leu até o final, optou por essa escolha. A minha é continuar escrevendo, embora não haja muitos a me ler. Mas persisto em minha escolha. E assim sou feliz.
Originalmente publicado em www.porradaneles.zip.net, em 22/08/2004
Algumas opiniões mudaram, mas o básico continua o mesmo.