Lições de vida.
Até agora evitei tocar na "questão USP". Evitei por várias razões. Um: gostaria
de escrever algo quando a reitoria fosse desocupada, mas parece mais fácil tirar
encosto do que aqueles alunos. Dois: gostaria de pesar melhor os fatos, uma vez
que as fontes, por mais diversas, não apresentam um panorama confiável da
invasão. Em outras palavras, quem é de direita está contra e critica de todo
jeito, quem é de esquerda está a favor e elogia de todo jeito, no meio os de
sempre que falam pelos cotovelos. Três: esse assunto muito me enraiveceu, por
ser estudante, por me considerar de esquerda e por estar desiludido com o
movimento estudantil.
Várias razões me levavam a não escrever, bastou uma pra me fazer agir. Ou
melhor, uma razão que se divide em várias: os técnicos administrativos da UFRJ
já estão em greve - ouço boatos fortíssimos de que os professores e alunos não
tardarão a embarcar - , a UFF, segundo ouço, não voltará pro segundo semestre
(ao menos a maioria dos cursos), a Unirio, também, quase certamente entrará em
greve. Ouço histórias que a UNE propõe uma greve geral na educação. A Biblioteca
Nacional do RJ está em greve. O Arquivo Nacional faz suas paralizações. Mais que
o ciclo anual costumeiro, o caso me parece mais sério. E, por tudo remeter à
invasão da reitoria, como que medida estimulante, ainda que a natureza das
faculdades seja distinta (em SP, estaduais; as do RJ, federais), resolvi
escrever alguma coisa.
O movimento estudantil, como a maior parte dos movimentos sociais, possui um
caráter histórico de instrumento de luta por melhores condições. Instrumentos
como esses surgiram à medida que o capitalismo firmava-se no mundo ocidental,
juntamente com os instrumentos liberais e o estado de direito. Foi no espaço
democrático que surgiram essas lutas, nos séculos XIX e XX; um espaço
conquistado à falta de possibilidades legais de acesso ao poder. Os movimentos
sociais, fortemente influenciados pelos pensamentos de raízes socialista e
anarquista, nasceram fracos e fortaleceram-se por seus ideias, seus objetivos,
suas vitórias em prol de "maiorias minorizadas" que, até então, não reuníam
força suficiente para levar a cabo projetos próprios, indispensáveis ao pleno
exercício democrático. Com o passar dos anos, a democracia e o liberalismo,
nascidos como cerceadores da participação popular, abriram-se e
universalizaram-se enquanto conceitos, abarcando os grupos que antes lutavam
pela sua derrubada e esvaziando seu discurso de revolução.
Nesse movimento de esvaziamento os grupos sociais, outrora ligados aos seus
apoios de base, descolaram-se e passaram a orbitar os grupos políticos, numa
atitude fisiológica. Vazios de conteúdo programático, passaram a gritar,
espernear, chorar e aproveitar as benesses que sua posição lhes conferia.
O movimento estudantil passou por esse esvaziamento que atingiu os movimentos
sociais. Independentemente de lutarem pelo socialismo ou pela democracia
liberal, os estudantes tinham um ideal constituído, perdiam-se em leituras,
discussões, sonhos de mudança. Levassem esses caminhos ao
estado de direito constituinte ou a uma ditadura do proletariado, as
propostas não haviam ainda descolado-se de uma forte base de apoio.
Hoje, vejo pedidos cada vez mais fisiológicos. A greve, instrumento
legítimo de luta, torna-se banalizada pela frequência e pela falta de um projeto
que unifique os corpos de funcionários. Muitos estudantes que se
organizam em passeatas ou não estudam (o que lhes tira o caráter de
"estudantes") ou se profissionalizam em estudar (o que lhes tira o caráter
de "estudantes"). O envolvimento dos partidos passa de apoio logístico a
implementação de programas. Perde-se no discurso o verdadeiro objetivo. As
bandeiras de partidos pequeninos (geralmente PSTU, PCB, PC do B, os de sempre)
são grandes o bastante para impedir a visão das bandeiras estudantis.
Essa organização, a meu ver desvirtuada, do movimento estudantil esbarra numa
universidade que clama por reformas. E a hipocrisia, o desleixo, o discurso
vazio dos estudantes, além de incapazes de salvar o templo-mor do saber, ajudam
a afunda-lo ainda mais. Talvez eu volte a essa questão outro dia, ainda mais
porque os encostos grudam cada vez mais lá por SP (e ameaçam se multiplicar).
0 Comments:
Postar um comentário
<< Home