3.6.07

Lições de vida.

Até agora evitei tocar na "questão USP". Evitei por várias razões. Um: gostaria de escrever algo quando a reitoria fosse desocupada, mas parece mais fácil tirar encosto do que aqueles alunos. Dois: gostaria de pesar melhor os fatos, uma vez que as fontes, por mais diversas, não apresentam um panorama confiável da invasão. Em outras palavras, quem é de direita está contra e critica de todo jeito, quem é de esquerda está a favor e elogia de todo jeito, no meio os de sempre que falam pelos cotovelos. Três: esse assunto muito me enraiveceu, por ser estudante, por me considerar de esquerda e por estar desiludido com o movimento estudantil.
Várias razões me levavam a não escrever, bastou uma pra me fazer agir. Ou melhor, uma razão que se divide em várias: os técnicos administrativos da UFRJ já estão em greve - ouço boatos fortíssimos de que os professores e alunos não tardarão a embarcar - , a UFF, segundo ouço, não voltará pro segundo semestre (ao menos a maioria dos cursos), a Unirio, também, quase certamente entrará em greve. Ouço histórias que a UNE propõe uma greve geral na educação. A Biblioteca Nacional do RJ está em greve. O Arquivo Nacional faz suas paralizações. Mais que o ciclo anual costumeiro, o caso me parece mais sério. E, por tudo remeter à invasão da reitoria, como que medida estimulante, ainda que a natureza das faculdades seja distinta (em SP, estaduais; as do RJ, federais), resolvi escrever alguma coisa.
O movimento estudantil, como a maior parte dos movimentos sociais, possui um caráter histórico de instrumento de luta por melhores condições. Instrumentos como esses surgiram à medida que o capitalismo firmava-se no mundo ocidental, juntamente com os instrumentos liberais e o estado de direito. Foi no espaço democrático que surgiram essas lutas, nos séculos XIX e XX; um espaço conquistado à falta de possibilidades legais de acesso ao poder. Os movimentos sociais, fortemente influenciados pelos pensamentos de raízes socialista e anarquista, nasceram fracos e fortaleceram-se por seus ideias, seus objetivos, suas vitórias em prol de "maiorias minorizadas" que, até então, não reuníam força suficiente para levar a cabo projetos próprios, indispensáveis ao pleno exercício democrático. Com o passar dos anos, a democracia e o liberalismo, nascidos como cerceadores da participação popular, abriram-se e universalizaram-se enquanto conceitos, abarcando os grupos que antes lutavam pela sua derrubada e esvaziando seu discurso de revolução.
Nesse movimento de esvaziamento os grupos sociais, outrora ligados aos seus apoios de base, descolaram-se e passaram a orbitar os grupos políticos, numa atitude fisiológica. Vazios de conteúdo programático, passaram a gritar, espernear, chorar e aproveitar as benesses que sua posição lhes conferia.
O movimento estudantil passou por esse esvaziamento que atingiu os movimentos sociais. Independentemente de lutarem pelo socialismo ou pela democracia liberal, os estudantes tinham um ideal constituído, perdiam-se em leituras, discussões, sonhos de mudança. Levassem esses caminhos ao estado de direito constituinte ou a uma ditadura do proletariado, as propostas não haviam ainda descolado-se de uma forte base de apoio.
Hoje, vejo pedidos cada vez mais fisiológicos. A greve, instrumento legítimo de luta, torna-se banalizada pela frequência e pela falta de um projeto que unifique os corpos de funcionários. Muitos estudantes que se organizam em passeatas ou não estudam (o que lhes tira o caráter de "estudantes") ou se profissionalizam em estudar (o que lhes tira o caráter de "estudantes"). O envolvimento dos partidos passa de apoio logístico a implementação de programas. Perde-se no discurso o verdadeiro objetivo. As bandeiras de partidos pequeninos (geralmente PSTU, PCB, PC do B, os de sempre) são grandes o bastante para impedir a visão das bandeiras estudantis.
Essa organização, a meu ver desvirtuada, do movimento estudantil esbarra numa universidade que clama por reformas. E a hipocrisia, o desleixo, o discurso vazio dos estudantes, além de incapazes de salvar o templo-mor do saber, ajudam a afunda-lo ainda mais. Talvez eu volte a essa questão outro dia, ainda mais porque os encostos grudam cada vez mais lá por SP (e ameaçam se multiplicar).