24.2.07

Criminosos (ou "Propondo Atitudes Criminosas")

Um exercício de imaginação pode ser bastante saudável. Pulando, então, os muros da limitação acadêmica, proponho-me a uma experiência de abstração. Nada de teor histórico ou de rigorosa análise.
Observando os processos criminais dos escravos no século XIX, bem como a legislação específica que visava a controlar os crimes por esses indivíduos praticados, não consigo deixar de imaginar certos aspectos que em muito me lembram as discussões atuais sobre criminalidade e endurecimento das leis.
Ora, longe de mim comparar um escravo do século XIX com os bandidos de hoje. Isso fugiria até de minha capacidade de abstração. Mas mesmo com essa ressalva, impossível deixar de lado alguns aspectos bastante semelhantes.
Leio memórias de fazendeiros de Vassouras-RJ, barões do café, proprietários de 50, 60, 100 homens negros (estes tratados por uma ambígua legislação "liberal" como "coisas"), e não consigo deixar de ouvir os clamores, os lamentos, os berros por uma legislação mais rigorosa. Leio os processos referentes à rebelião do escravo Manuel Congo, na mesma Vassouras, em 1838, e vejo os proprietários pedindo "punições exemplares". Leio sobre escravos malês tomando as ruas de Salvador, em 1835, e logo em seguida vejo os clamores de proprietários e cidadãos menos abastados pedindo pena de morte, pedindo legislação mais rigorosa. Foram atendidos.
Vejo crimes bárbaros ocorrerem hoje; um universo de atrocidades em que a morte do pequeno João Hélio é apenas ínfima parte. E ouço e leio clamores dos cidadãos, muitos não abastados, pedindo pena de morte.

Do que se trata? Será necessidade de "punição exemplar" para acalmar os ãnimos e nos permitir dormir com tranquilidade?

Estou com Norberto Bobbio: a certeza da punição é mais eficiente no combate à criminalidade do que o rigor da pena. Crimes devem ser punidos, ao menos na minha concepção de mundo. Mas sou contra a pena de morte por um motivo simples, compartilhado por muitas outras pessoas: como confiar num sistema que não garante reparação à vítima no caso de erro de julgamento? Ou melhor, o que fazer caso seja descoberto que alguém foi morto sem ser culpado, devido a falhas humanas?

Espero que essas vozes que ouço pedirem pena de morte se acalmem logo. Não tomar parte na violência das manifestações não significa acomodação ou cumplicidade com a barbárie. Pelo contrário, estou disposto a lutar por algo muito mais difícil de ser cumprido: uma polícia e uma justiça mais eficientes, que garantam que os culpados receberam a pena que merecem, e um poder público mais eficiente, que dedique mais dinheiro e tempo à educação do que à publicidade ou à corrupção. Tenho certeza de que precisamos de mais livros. Não de camisinhas.