29.7.07

Everybody´s free (to wear sunscreen)

Traduzido por Pedro Bial
Senhoras e senhores da turma de dois mil e três: Nunca deixem de usar filtro solar. Se eu pudesse dar só uma dica sobre o futuro seria esta: use filtro solar. Os benefícios a longo prazo do uso de filtro solar estão provados e comprovados pela ciência. Já o resto de meus conselhos não tem outra base confiável além de minha própria experiência errante. Mas agora eu vou compartilhar esses conselhos com vocês...
Não se preocupe com o futuro. Ou então preocupe-se, se quiser, mas saiba que "pré-ocupação" é tão eficaz quanto mascar chiclete para tentar resolver uma equação de álgebra. As encrencas de verdade em sua vida tendem a vir de coisas que nunca passaram pela sua cabeça preocupada, que te pegam no ponto fraco às 16h de uma terça-feira modorrenta.
Todo dia enfrente pelo menos uma coisa que te meta medo de verdade. Cante. Não seja leviano com o coração dos outros, não ature gente de coração leviano. Use fio dental. Não perca tempo com inveja. Às vezes, se está por cima; às vezes, por baixo... A peleja é longa e, no fim, é só você contra você mesmo.
Estique-se, não se sinta culpado por não saber o que fazer da vida. As pessoas mais interessantes que conheço não sabiam aos 22 o que queriam fazer da vida. Alguns dos quarentões mais interessantes que conheço ainda não sabem.Tome bastante cálcio. Seja cuidadoso com os joelhos: você vai sentir falta deles. Faça o que fizer, não se auto-congratule demais e nem seja severo demais com você. As suas escolhas têm sempre metade das chances de dar certo. É assim com todo mundo.
Desfrute de seu corpo, use-o de toda maneira que puder mesmo. Não tenha medo de seu corpo ou do que as outras pessoas possam achar dele. É o mais incrível instrumento que você jamais vai possuir. Dance... Mesmo que não tenha onde, além de seu próprio quarto.
Dedique-se a conhecer os seus pais. É impossível prever quando estarão indo embora, de vez. Seja legal com os seus irmãos. Eles são a melhor ponte com o seu passado e, possivelmente, quem vai sempre mesmo te apoiar no futuro.Entenda que amigos vão e vêm. Mas nunca abra mão de uns poucos e bons. Esforce-se de verdade para diminuir as distâncias geográficas e destinos de vida, porque quanto mais velho você ficar, mais você vai precisar das pessoas que conheceu quando jovem.
Viaje. Aceite certas verdades inescapáveis: os preços vão subir, os políticos vão saracotear, você também vai envelhecer. E quando isso acontecer, você vai fantasiar que quando era jovem os preços eram razoáveis, os políticos eram decentes e as crianças respeitavam os mais velhos.Respeite os mais velhos e não espere que ninguém segure a sua barra.
Talvez você arrume uma boa aposentadoria privada, talvez case com um bom partido, mas não esqueça que um dos dois pode, de repente, acabar. Não mexa demais nos cabelos, senão quando você chegar aos 40, vai aparentar 85.
Cuidado com os conselhos que comprar, mas seja paciente com aqueles que oferecem. Conselho é uma forma de nostalgia. Compartilhar conselhos é um jeito de pescar o passado do lixo, de esfregá-lo, repintar as partes feias e reciclar tudo por mais do que vale.
Mas no filtro solar, acredite!

7.7.07

Deus salve o Cristo.

Acabei de ler a notícia: o Cristo Redentor foi considerado uma das novas sete maravilhas do mundo moderno, junto a ícones milenares como a Muralha da China, o Coliseu e o Taj Mahal. Também foram eleitos a cidade de Petra, a pirâmide de Chichen Itzá, no México, e a fabulosa cidade de Machu Picchu, no Peru.
Em primeiro lugar, deixo claro que tal eleição não representa muito para mim além de uma política de valorização nacional. Os monumentos deixados de lado perdem importância frente a esses? Duvido. Em segundo lugar, cabe a pergunta: o que significa ser uma "maravilha do mundo moderno"?
Votei, como muita gente votou. Meus critérios de escolha levaram mais em conta a palavra "moderno" do que a palavra "maravilhas". Porque a segunda palavra é extremamente pessoal, levando para o lado da paixão nacional. A primeira palavra, por outro lado, representa uma escolha que diz muito sobre nossa visão dos tempos atuais e não apenas sobre nosso país. É uma palavra que simboliza uma visão mais ampla da realidade, creio.
(mas, confesso, votei no Cristo também, por coorporativismo patriótico.)
Dessa forma, escolhi pensando na importância do monumento para o mundo "moderno". Das sete obras que escolhi, apenas duas não estão dentre as vencedoras. Além do Cristo, foram alvo de minha votação a Grande Muralha, pois acredito que represente a capacidade humana de construir objetos que resistem ao tempo e estão no limite de nossas forças; votei no Taj Mahal porque, creio, representa bem o posicionamento que o homem dá à inevitável morte, pintando-a em belas cores para superar todo o medo e toda a dor que sua presença nos causa; votei no Coliseu porque acredito ser a perfeita sintonia entra a maravilhosa capacidade humana de construir belíssimos monumentos e a triste necessidade humana de destruir, matar, torturar, apenas por diversão, aqueles que se colocam à margem da sociedade; votei em Machu Picchu para nos lembrar sempre da presença extra-européia na formação de nosso mundo atual, de toda a força e influência que possuem as culturas que, por mais que se as tente destruir, mantêm a força mesmo passados séculos. Tais foram os cinco alvos de minha votação. Talvez eu devesse estar feliz: compartilhar opiniões a respeito de 5 das 7 maravilhas não é pra qualquer um, hehehehe.
Os outros dois monumentos que escolhi foram a Estátua da Liberdade e a Torre Eiffel. Esses não ganharam. Paciência. Não se pode acertar todas.
Votei na Estátua da Liberdade pelo que ela simbolizava à época de entrega, pelos franceses, aos americanos, não pelo que ela se tornou hoje. Se a estátua atualmente está associada à expansão da "cultura americana" sobre o mundo, associada ao consumismo, aos "caboclos querendo ser ingleses" de que falava Cazuza, isto não nasceu acabado. A estátua é mais que um símbolo de liberdade: indica a libertação de uma colônia do julgo metropolitano. Indica a fundação de uma nova era para o continente americano, era da qual todos os países participaram. Engraçado como, de símbolo do levante dos homens contra a intervenção estrangeira em seus destinos, a Estátua ganhou conotação oposta. Hoje significa exatamente essa intervenção que ela combateu.
A Torre Eiffel simboliza a era industrial, a era da máquina, a capacidade humana de levar às alturas seu conhecimento e sua iniciativa produtiva. A era industrial consolidou o capitalismo e levou a humanida ao maior salto técnico-científico desde a revolução agrícola do neolítico.
Tais símbolos, acredito, muito de adequam ao mundo moderno. Listas, porém, são sempre subjetivas. Minhas escolhas não precisam - nem devem - coincidir com escolhas alheias. Tanto a cidade de Petra quanto a pirâmide de Chichen Itzá têm sua importância na configuração do mundo, como, aliás, todos os monumentos deixados de fora.
Em todo caso, parabéns ao Cristo. E vamos esperar que essa vitória não signifique aproveitamento político (parece inevitável que tal irá acontecer...). Tomara mesmo que o ufanismo não nos cegue. É hora de nos perguntarmos: o que a vitória do Cristo traz de bom?

6.7.07

O que foi pelo que poderia ter vindo.

Já li alguns argumentos que passam a mão na cabeça da ditadura militar. Quando não estão elogiando, seja pelos méritos econômicos, seja pela salvaguarda da moral (como disse Douglas Adams, no Guia do Mochileiro das Galáxias, referindo-se ao personagem Ford Prefect: "ele tinha sua moral. Não era lá grande coisa, mas era sua."), dedicam todo o tempo que juram não ter para a defesa que representou tal ditadura frente a um monstro muito maior: o monstro vermelho comunista.
Em suma, coloca-se a ditadura militar brasileira como "necessária", tendo em vista do quê ela nos salvou. Pior seria se houvéssemos nos tornado comunistas, dizem. Seríamos a Albânia da América do Sul. Ao invés de 6 mil mortos e desaparecidos teríamos 6 milhões. Ao invés da democracia, hoje, teríamos um modelo chavista autoritário e repressivo à cubana.
Interessante argumentação, ainda mais quando ouvida por um historiador. Furada como peneira, mas interessante. Coloca-se o feito, ainda que macabro, frente ao que poderia vir a acontecer. Admite-se o horrendo frente ao mais horrendo que poderia talvez um belo dia de sol de primavera vir a ter acontecido um dia há tempos. Confuso?
Dói os olhos ler essa argumentação. Afinal, a bola de cristal do historiador está sempre queimada. A história não trabalha com "se" porque qualquer coisa poderia ter acontecido no lugar do ocorrido. Não há metas ou destinos traçados na história, ao menos nenhuma linha que possa ser apreendida pelo olhar do historiador. Ainda que ela esteja lá, deve ser desconsiderada como fio condutor da explicação causal. Não parece ser assim que a cabeça dessa gente funciona.
Bom, esse texto não tem conclusão. Até.

2.7.07

Confiança (2).

Para entender este texto, talvez fosse melhor ler o de baixo primeiro. Não que este seja exatamente uma continuação daquele. Em certos aspectos até é. Trata-se de um recorte, uma reflexão sobre um ponto no conjunto a que me referi naquele texto. É isso.
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Falei da confiança. Falei por que considero importante confiar. Há muitos e muitos textos falando sobre os benefícios da dúvida, sobre sua importância para a construção e renovação do conhecimento. Concordo. Mas não há muitos falando sobre a importância da confiança cega. Porque duvidar não existe por si só. Duvidamos porque trocamos um julgamento A por um B. Em algum dos dois temos que confiar. Sem confiança, resta o niilismo.
E qual a importância de se confiar em história? Confiar nos documentos, nos relatos, nas fontes? Mais ou menos: a confiança, nessa parte, é altamente seletiva. Confiamos em alguma fontes e não em outras. O que hierarquiza o nível de confiança é o olhar do historiador, são suas certezas, suas hipóteses, sua metodologia, sua corrente teórica (talvez sejam estas duas os mais importantes fatores de decisão). Confia-se e desconfia-se das fontes, num cabo-de-guerra permanente.
Confiar na historiografia? Fundamental, embora boa parte dessa confiança também seja nada além do olhar do historiador. Confiamos no autor A e não no B por diversas razões, dentre as quais o compartilhamento de determinada corrente (olha ela aí de novo).
Confiar em quê mais? Ora, confiar nas interpretações. E aqui é onde eu queria chegar: sem confiança nas interpretações não há história. A pesquisa histórica se dá sobre outras pesquisas previamente realizadas. Desconfiar de uma delas é fazer ruir todo o caminho sobre o qual nossa interpretação é elaborada. Confiar em interpretações é elaborar o conhecimento.
Esse é um risco da história. Por isso alguns negam à história seu caráter científico. Bobagem. Qual é a ciência que está livre das interpretações?