9.8.07

Sequestro de minutos

Resumo: Texto que mostra a indignação que tomou conta de mim quando descobri que estava sendo roubado pela Claro. Sim, roubado é a palavra adequada. Afinal, eu e todos aqueles que têm um plano da Claro – e, quem sabe?, possivelmente todos que têm celular – têm uma parcela de seus minutos seqüestrada pela operadora. Em poucas palavras: se você tem um plano de 100 minutos mensais, como é o meu caso, dependendo da maneira como usa seu celular, pode ter até um terço dos minutos “apagados”. Seu plano de 100 minutos se torna, como mágica, um plano de 30 minutos. E, claro, você continua pagando pelos 100 minutos... Leia o texto para melhor entender. Duvida? Confira sua fatura mensal. O texto é grande, talvez desnecessariamente grande, mas acredito que seja um dos mais importantes que já escrevi na vida, ainda que, estilisticamente e gramaticalmente, deixe a desejar. Espalhem. Aumentem. Peço que divulguem.
Rio de Janeiro, 8 de agosto de 2007
Prezados leitores,
É difícil, hoje, imaginar um mundo sem telefones celulares. Cada vez fica mais difícil. “O uso mundial de celulares ultrapassará a marca dos três bilhões pela primeira vez em 2007”, diz a Info Online. “Globalização” é termo que já foi muito empregado, em diversas ocasiões, sob variadas conotações. Talvez o telefone celular seja um de seus maiores símbolos.
A diminuição das distâncias naturais sempre foi uma busca dos homens, seja a distância que os separa dos alimentos, seja a distância que os separa de outros homens. Diminuir as distâncias, fisicamente ou não, significa tornar o outro, o objeto de desejo, mais próximo. Significa abrandar a saudade. Tornar a vida mais agradável, por aumentar o leque de opções disponíveis. Desenvolver as relações afetivas. E, também, garantir a segurança, a própria e a dos amigos, familiares ou mesmo dos desconhecidos.
Diminuir as distâncias significa ter ao alcance um número maior de possibilidades para a vida. E significa ser capaz de agir a tempo de resguardá-las até que infortúnios acima da compreensão humana nos tire delas para sempre.
Não é difícil perceber como o celular se encaixa nesse contexto. Trata-se, sem dúvida, de um dos mais valiosos avanços da tecnologia nos últimos tempos. A possibilidade de comunicar-se, de qualquer lugar, com qualquer pessoa, em qualquer horário, eis algo a que há muito aspira o ser humano. E, talvez mais do que nunca, esteja esse ser humano próximo da realização.
Ah, o ser humano...
O sentido último da diminuição das distâncias.
Mesmo se fosse possível, de que adiantaria todo o avanço científico sem ele? Para que serviria, se não fosse para servi-lo?
Ah, o ser humano...
O sentido último, também, de toda forma de organização social.
Mesmo se fosse possível, de que adiantaria formar uma sociedade sem ele? Para que serviriam os governos, as leis, o Estado, se não fosse para respeitá-lo?
O ser humano que cria, o ser humano pensante. O ser humano que assume responsabilidades e exige direitos em igual proporção. O ser humano que deseja ser livre, deseja diminuir as distâncias, deseja um celular para servi-lo.
Deseja ser respeitado.
Divago, sim. “Viajo”, sim. Talvez vício da faculdade. Talvez sintoma do absurdo da situação. Pois vejo pessoas indignadas como eu, que se sentem lesadas como me sinto, mas que pouco mais fazem além de reclamar às escondidas. E se dessa forma agem, e se de outra forma ajo, não é porque sou superior a elas, melhor do que elas. Estamos todos num mesmo barco, indignados frente a uma situação e desiludidos quanto às chances de vê-la remediada, ver justiça ser feita num país que se inaugurou pretensamente “civilizado”, junto a um Estado que se fingiu “liberal”, em uma nação kafkianamente dominada por uma política que não atende aos cidadãos. Aos seres humanos que votaram desejando respeito, pagam impostos com o intuito de serem servidos, rezam esperando serem atendidos.
Eu espero ser atendido. Embora as esperanças falhem.
Acontece o seguinte: a Claro, operadora de telefonia celular, me vendeu um pacote de 100 minutos, os quais poderiam ser utilizados em ligações locais para telefones fixos, celulares da própria Claro ou de outras operadoras. Esta promoção, no contexto do Dia dos Pais 2007, ainda possibilitava minutos em dobro, ou seja, no meu caso, outros 100 minutos, os quais só poderiam ser usados em ligações para celulares da Claro.
Aceitei o plano. Todos os meses, todo dia 5, um valor X é debitado automaticamente de minha conta corrente.
Tudo lindo. Tudo simples. Há, entre mim e a Claro, um acordo, um contrato: ela possibilita 100 minutos para ligações quaisquer, e outros 100 minutos para ligações Claro-Claro. Em troca, eu pago o tal valor X todo mês.
Eu pago por aqueles 100 minutos. E, por esse pagamento, tenho direito a outros 100. Certo?Não exatamente.
O sistema de cobranças da Claro, e possivelmente de outras operadoras, funciona da seguinte maneira: se o tempo de ligação não chega a 3 segundos, a mesma sai de graça. De 4 a 30 segundos, a ligação sai por... 30 segundos.
Sim, isso mesmo.
Você ligou e gastou 7 segundos falando? Pois descontaram 30 segundos do seu plano. Ligou pra alguém só pra avisar que estava saindo de casa? Durou 9 segundos? Pois descontaram 30. Ligou só pra dizer “cheguei”, ou “boa noite”? Apenas 10 segundos? Pois cobraram 30.
Em outras palavras, se você gasta 10 segundos numa ligação, descontam outros 20 que você não utilizou. Dessa maneira, você paga por um tempo que não falou ao celular. E a cada minuto falado, o processo recomeça. Ou seja, por falar 1m10s, te descontam outros 20 segundos. Você foi cobrado por 1 minuto e trinta segundos sem ter utilizado 20 desses segundos!
Primeiro se constata o fato: há um seqüestro de segundos que, ao longo do mês, podem tornar-se minutos, quem sabe horas? Depois começam as desculpas, pois sempre as há e em quantidade absurda. O número de desculpas é diretamente proporcional ao ridículo de uma dada situação.
E alguém quer saber de desculpas?
Eu quero apenas os minutos pelos quais a Claro, todo dia 5, desconta do meu saldo bancário X reais. Eu quero aqueles minutos pelos quais eu paguei, quero poder falar do meu jeito.
“Ah, mas a Claro não está roubando os minutos, está apenas cobrando por 30 segundos. Mas você pode falar por 30 segundos, aí o custo equivale ao uso.”
É verdade.
Está certíssimo.
Eu posso falar por 30 segundos. Aí os 30 segundos descontados pela Claro equivaleriam exatamente ao tempo que eu falei.
MAS EU NÃO QUERO FALAR 30 SEGUNDOS! Não sempre. EU QUERO ESCOLHER QUANTO TEMPO FALAR, QUERO CONTROLAR MEU TEMPO DE CONVERSA DE ACORDO COM AS MINHAS NECESSIDADES, NÃO PELAS NECESSIDADES DA CLARO.
A Claro não me deu nada de graça. Nem os 100 minutos extras são “grátis”. Eu pago por um serviço, em troca ela me oferece um pacote extras. Eu pago. Eu quero escolher.
Eu quero ligar e gastar 10 segundos só pra dizer um “boa noite” à pessoa amada. Quero dizer aos meus pais que cheguei seguro em tal lugar quando saio à noite, para aliviar sua preocupação. Quero dizer ao amigo: “já estou saindo de casa”, a caminho de um encontro, e não quero levar mais do que 10 segundos nesse aviso. Quero escolher como gastar meu tempo, tempo pelo qual estão, repito, DESCONTANDO DINHEIRO DA MINHA CONTA CORRENTE TODO DIA 5.
A cada vez que dou um “boa noite” ou digo um “sinto sua falta”, buscando encurtar as distâncias, buscando abrandar as saudades, e toda vez que levo 10 segundos nesse processo, ou se levo 5 minutos e 10 segundos, ou se levo 30 minutos e 10 segundos, a Claro faz o “favor” de me cobrar 20 segundos a mais.
Desse modo, se alguém assina um plano pensando em fazer apenas ligações curtas, apenas ligações de 10 segundos, e se o plano assinado for de 100 minutos, a Claro só permite a essa pessoa falar pouco mais do que 30 minutos. Um terço do total a que, supostamente, esse ser estranho, esse ser humano, cujo desejo é ser respeitado, teria direito.
O pagamento, claro, não vem fracionado.
TODO DIA 5 VAI LÁ A CLARO DESCONTAR O VALOR X DA MINHA CONTA. Valor inteiro.
E se não pago? Ora, eles vêm exigir o cumprimento de minha parte no acordo; eles vêm exigir seus direitos respeitados; eles têm força pra me obrigar a honrar meus compromissos.
Pois eu também quero que honrem os compromissos que assumem comigo.
Cadê o Estado? Cadê o respeito pelo ser humano?
Devo dizer mais três coisas antes de terminar esse desabafo:
1) Esse esquema de cobrança pela Claro vale para todos os planos: pré-pago, perfil, super-controle etc.
2) Esse sistema implantado pela Claro provavelmente é implantado pelas demais operadoras. Falo da Claro porque sou cliente da mesma. Mas um amigo meu já afirmou que a Tim tem cobrança semelhante, e outro me confirma o mesmo procedimento pela Oi. Não tem nada que me faça pensar que a Vivo não faça o mesmo.
3) Falei aqui especificamente do problema da cobrança, mas é apenas a ponta do iceberg da indignação. Quem nunca reclamou do atendimento? Quem nunca ouviu um prazo de 24 horas para resolução de um problema e esperou 72, ou, quem sabe, até mais? Mesmo sobre a cobrança há outros aspectos: a partir dos 30 famigerados segundos, por exemplo, a cobrança se vai dando, até completar 1 minuto, de 6 em 6 segundos. Assim, se você falou 32 segundos, foram cobrados 36. Se falou 39, foram cobrados 42 e assim sucessivamente, até completar-se 1 minuto e recomeçar o ciclo. Se falou 1 minuto e 7 segundos, foram cobrados 1m30s. Se falou 1m32s...
Não sei se alguém vai ler esse texto. Não sei se vai me levar a algum lugar. Mas meu objetivo primeiro foi cumprido: deixei a indignação tomar uma forma diferente da reclamação ao pé do “olvido”. Registro minha indignação. E peço que passe adiante, mas acrescida da sua indignação. Vamos, tal qual efeito bola de neve, fazer essa reclamação tomar corpo, tomar consistência. Ou, ao menos, vamos deixar claro que não estamos aceitando calados.
Publico esse texto em meu blog: www.maisporrada.blogspot.com
Atenciosamente,
João Carlos Escosteguy Filho.

6.8.07

Cansados.

Alguns estão cansados. Eu ando meio cansado. Estar cansado é sinônimo de golpismo?
Numa democracia, há os que vencem e os que são vencidos. Normal. Há os que choram e os que comemoram. Normal.
Muitos comemoraram a subida de Lula ao poder. Vários chiaram. Alguns choraram. E agora, após caos aéreo em diversas modalidades, após denúncias estrondosas de corrupção, começam os chiados organizados.
Claro que os que chiam têm direito de chiar. Ainda me lembro das manifestações "Fora FHC". Estava na escola ainda, passavam os professores com panfletos e frases de efeito. Praticamente todos eram pró-Lula. E, agora, vejo muitos desses, "pró-fora-FHC", tachando o "Cansei" de golpismo da elite.
Ridículo. Ambos os movimentos têm o mesmo direito a existir. Ou, na pior das hipóteses, são igualmente golpistas.
Estou para a primeira hipóteses. Acho muito duvidosa essa idéia de "já tá eleito, então aguentem e se unam pra, nas próximas eleições, tirar o sujeito daí". Quer dizer, então, que, por estar eleito tem que ser aceito incondicionalmente? Claro que não.
Costumo dizer que a solução para os males políticos do Brasil é simples. Basta ser decretada a seguinte lei: políticos eleitos são obrigados a cumprir as promessas de campanha num prazo X. Se não cumprirem, perdem automaticamente os mandatos, ficam inelegíveis por 10 anos e podem, ainda, ir pra cadeia.
Cumprir cargo político, nos dias de hoje, não é (ou não deveria ser) uma mamata. É um privilégio de que poucos gozam, e, como tal, traz consigo obrigações. É um cargo a se exercer em favor dos outros, em favor não apenas dos eleitores, mas do conjunto populacional correspondente à jurisdição do cargo. Cumprir promessas não é diferencial, é obrigação, é o mínimo que um político (ou, até, um ser humano) deve fazer pra ser digno de ocupar tal posição.
Triste é um país tão acostumado às mentiras de políticos, tão acostumado ao descaso, que um sujeito que cumpre a lei, cumpre a palavra é visto como "herói", "salvador", e não como sujeito comum.
E aonde quero chegar com isso? Ora, o cansei é válido para qualquer governante. Claro que há implicância com o Lula, claro que há vontades escusas por baixo dos panos. Mas há sinceridade nas ações, também. Há pessoas apenas cansadas. Apenas com medo.
O cansei deve se espalhar. Para aqueles na câmara, para aqueles no senado, para os governadores, prefeitos, vereadores. Para os não-cumpridores de promessa. Não para tirá-los do poder à força (aí começa a cheirar a golpismo), mas para forçá-los a cumprir o que prometem, a trabalhar pelo que prometem.
Cansamos. Mas temos energia pra começar de novo.